Escolha uma Página

A escalada do enfrentamento entre o Supremo Tribunal Federal e a plataforma X, do empresário Elon Musk, ganhou um capítulo adicional nesta quinta, 29, que foi o bloqueio das contas da empresa de banda larga via satélite Starlink como forma de salvaguardar a cobrança de multas impostas pelo Supremo pela desobediência no cumprimento da ordem de suspensão de determinadas contas. A plataforma X e a Starlink são personalidades jurídicas completamente diferentes, mas que pertencem a um mesmo grupo econômico, com um acionista controlador (Musk) em comum.

Mas as chances dessa escalada levarem, no limite, a uma suspensão das atividades da Starlink no Brasil são consideradas mínimas e muito distantes, na opinião de especialistas ouvidos por este noticiário. O que pode sim acontecer é a determinação de bloqueio ao acesso ao serviço X a partir de provedores de Internet atuantes no Brasil, e entre eles está a Starlink. Mas mesmo que a Starlink desrespeite esta determinação, o processo até a suspensão temporária dos serviços é longo.

Supondo-se que o Supremo determine o bloqueio ao acesso dos provedores de Internet à rede social X, essa ordem será executada por meio da Anatel. Até o fechamento desta reportagem, a agência ainda não havia sido notificada pelo Supremo, mas se for, o caminho é simples: a Anatel envia aos provedores de banda larga autorizados (entre elas a Starlink) o número de IP e os DNSs (endereços) a serem bloqueados nos roteadores. Cabe às empresas cumprirem a ordem.

Quem fiscaliza o bloqueio?

Mas a Anatel não fiscaliza o cumprimento da ordem de bloqueio ativamente, de maneira geral, primeiro porque se trata de uma determinação da Justiça contra as empresas, e depois porque seria virtualmente impossível monitorar o que acontece em cada uma das mais de 13 mil empresas autorizadas a prestar o serviço de Internet (fora outras que nem mesmo outorga têm). Mas caso alguma empresa fure o bloqueio, cabe à própria Justiça notificar a agência, que nesse caso irá agir diretamente, acionando a fiscalização e abrindo um processo administrativo por descumprimento de obrigação (PADO).

A Lei Geral de Telecomunicações é clara sobre as sanções que podem ser aplicadas a uma empresa autorizada a um serviço de telecomunicações, e sobre os ritos para isso. 

Segundo o artigo 173 da Lei Geral de Telecomunicações, a primeira punição prevista é a advertência, seguida de multa, e depois aparece a suspensão temporária, caducidade e declaração de inidoneidade. Ainda que não haja a obrigatoriedade de se aplicar as sanções nessa gradação, é o que a agência costuma fazer.

Ainda assim, segundo a Lei Geral de Telecomunicações, “toda acusação será circunstanciada, permanecendo em sigilo até sua completa apuração” (artigo 174). Além disso (artigo 175), “nenhuma sanção será aplicada sem a oportunidade de prévia e ampla defesa”. Este artigo prevê medidas cautelares urgentes que poderão ser tomadas antes da defesa, mas são casos extremos. Segundo o artigo 176 da Lei Geral de Telecomunicações, “na aplicação de sanções, serão considerados a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resultantes para o serviço e para os usuários, a vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência específica”.

Vale lembrar que a Starlink é um provedor com uma base relevante de 250 mil usuários, o que é uma quantidade maior do que a dos concorrentes diretos na oferta ao consumidor (como Hughes e Viasat) e a própria Telebrás e outras operadoras por satélite no segmento empresarial, mas nesses casos as tecnologias, o tamanho dos equipamentos e a capacidade de transmissão pelo custo não são exatamente equivalentes às oferecidas pela Starlink.

Suspensão afetaria o governo

E no caso de suspensão de serviço, há mais um complicador: a Lei Geral de Telecomunicações prevê que a suspensão temporária será imposta em caso de infração grave cujas circunstâncias não justifiquem a decretação de caducidade, e ainda assim o prazo da suspensão não será superior a trinta dias (artigo 180). Ou seja, é uma medida extrema e que poucas vezes foi utilizada pela Anatel, em geral contra empresas que atuavam reiteradamente de má fé ou praticando fraudes.

Pesa ainda em favor da Starlink o fato de que o próprio Governo Federal é usuário dos serviços da empresa, assim como vários governos estaduais, tribunais de Justiça (inclusive tribunais eleitorais) e até mesmo os órgãos de Defesa. Reportagem do UOL traz a informação de que o Ministério da Defesa justificou ao Congresso Nacional a existência de ao menos 10 contratos com a Starlink pelas Forças Armadas (como revelado por este noticiário no começo do ano) com o fato de que “a súbita interrupção dos serviços da Starlink comprometeria a capacidade de comunicação das embarcações da Marinha, prejudicando o gerenciamento de situações de crise e a salvaguarda da vida humana no mar. A perda do serviço por satélite dificultaria o recebimento de informações críticas e a comunicação entre os Navios Polares e seus comandos de apoio logístico.Pesquisadores também seriam impactados, com dificuldades de comunicação com suas universidades”, segundo o UOL.

E ainda existe uma questão: a exemplo do X, a Starlink opera no Brasil com uma estrutura mínima. São apenas representantes comerciais e advogados terceirizados. A empresa não tem uma sede oficial nem equipes que respondam pelas operações no país. Do ponto de vista operacional, a empresa tem diversos gateways espalhados pelo território brasileiro. São estações que recebem e transmitem o sinal do satélite e fazem a conexão com a Internet. Hoje, esses gateways são necessários ao funcionamento da constelação da Starlink em territórios muito amplos, como é o Brasil, mas em breve a Starlink já deve operar com uma nova tecnologia, em que os satélites são conectados entre si por um feixe de laser, o que permitirá, em tese, o pleno funcionamento da constelação sem nenhum tipo de ponto de presença no país.

Fonte: TeleTime