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Dizia-se, quando da fusão entre Vero e Americanet, em julho do ano passado, que ela não só impulsionaria a união de outras grandes PPPs, multiplicando o número de provedores regionais com carteiras próximas ou superiores a 1 milhão de clientes, como levaria grandes teles a ingressarem na onda de M&As do segmento. A recente confirmação de Vivo e Desktop sobre a existência de conversações nesse sentido mostra que as expectativas de outrora podem se concretizar.

Negociações entre grandes players chamam a atenção de quem acompanha o mercado. Não é para menos. Maior ISP de São Paulo, a Desktop agregaria cerca de 1 milhão de conexões à base da Vivo no estado em que ela nasceu e que permanece seu mercado prioritário. A aquisição também reduziria a diferença para a líder Claro (10 milhões ante 6,87 milhões da segunda colocada).

Ocorre que a concentração não é só mais intensa como mais justificável na base da pirâmide. De acordo com a pesquisa TIC Provedores, divulgada em dezembro pelo CETIC.br, em 2022, havia pouco mais de 11,6 mil provedores ativos no país, 9,3% menos que dois anos antes (12,8 mil), sendo que os ISPs classificados como empresas de médio porte (de 50 a 249 empregados) passaram de 13% para 17% do segmento. Já as microempresas (com até 9 funcionários) recuaram de 56% a 46%. Enquanto se uniam, esses ISPs promoviam um boom da Internet no país. Conforme os balanços da Anatel, no período, o número de conexões foi de 36,3 milhões (2020) a 44,9 milhões (2022) com a participação das PPPs passando de 39,32% para 50,5%.

São esses provedores – 40% dos quais, segundo o CETIC.br, atuam em uma única cidade – que dominam o mercado. Recentemente divulgado pela consultoria Teleco, um amplo estudo que teria contemplado 5.047 municípios – ao todo, conforme o IBGE, são 5.568 no país –, aponta que os PPPs detêm mais de 50% do mercado em 3.394 cidades, sendo que, em pouco mais de mil, seu market share supera 80%.

Importante contextualizar a origem desse estudo e a que tem servido. Encomendado pela Claro, seguiu para a Anatel na consulta pública sobre o Plano Geral de Metas de Competição, como embasamento dos ataques da operadora à assimetria regulatória adotada pela agência. Dentre outras objeções, destaca-se o artigo 90 da Resolução 765, que traz o novo Regulamento Geral dos Direitos dos Consumidores de Serviços de Telecomunicações (RGC). Criticado também por Vivo e TIM, o trecho teria criado, como disse um dirigente da operadora, a categoria do “consumidor de segunda classe”.

Seria de se esperar que a líder, com 20% desse mercado, não se importasse com PPPs – a grosso modo, empresas que detêm menos de 5% de market share – que, na maioria absoluta, dispõem de poucos milhares de assinantes (conforme a Anatel, 93% têm menos de 5 mil acessos) e que, quando classificados como grandes, registram de 500 mil a 1,4 milhão de clientes. Mais ainda num momento em que ela e seus pares travam outro embate, com Meta, YouTube, Netflix e similares, buscando compensações pelo uso de parcelas significativas de suas redes. Fato é que, com 54% do mercado de banda larga fixa, essas operadoras menores incomodam, talvez mais ainda por conta do atual ritmo de crescimento do mercado e aquele que se prevê para os próximos.

Em análise divulgada em maio, o BTG Pactual, por conta do desempenho observado em 2023, reviu para baixo suas projeções para a expansão da banda larga no país. Ao invés de seu alcance partir de “atuais” 66% dos lares para chegar a 85% nos próximos três anos, estará, conforme nova estimativa, em 75% dos domicílios no final do período. Se conclusões desse tipo influenciam o planejamento de todos os que compõem o mercado, o ânimo dos que nutriam pretensões quanto à obtenção de algum crescimento orgânico é menor ainda entre os que observarem que, conforme o IBGE, a Internet estava presente em 91,5% das residências brasileiras em 2022, muito mais próxima do teto do que aponta o banco.

Diferentemente do que se observou até dois anos atrás, as grandes teles têm liderado as adições de acessos fixos, o que se dá principalmente a partir da atualização tecnológica de suas redes. Factível para empresas capitalizadas, a estratégia pode servir para aumentar o ticket médio ou conquistar quem é atendido pela concorrência. Mas, quanto a aumentar o número de conexões ativas no país, não deverá produzir efeitos por mais tempo – surpreende que o tenha feito –, já que essas empresas atuam em grandes centros, onde o serviço beira a universalização.

Talvez isso seja um motivo a mais e até especial para os ataques à assimetria regulatória. M&As mostram-se como única alternativa para quem quer crescer. Se as teles começarem a realizá-los, chegarão a novas áreas por meio de empresas incorporadas que, sob seus CNPJs, disputarão mercado com provedores ainda classificados como PPPs que, desta forma, estarão submetidos a regras muito mais flexíveis que as destinadas a grandes operadoras.

Afora questões relacionadas à disputa de mercado, a observação da Claro quanto a uma nova classe de consumidores não é totalmente descabida, principalmente para eles, os consumidores.

O citado artigo 90 traz a relação das regras destinadas às PPPs, a qual é sensivelmente inferior que a das cabíveis às teles – também agraciadas com um grau de rigor bem menor que o estabelecido pelo RGC anterior, da Resolução 632. Esta, embora também fosse mais tolerante com os provedores regionais que com grandes operadoras, não trazia tamanha diferenciação quanto ao que se exige de prestadores líderes e dos de menor porte.

Essa tônica do novo regulamento vai mais longe no parágrafo 5º do artigo 90, onde estabelece que ISPs com até 5 mil acessos devem observar apenas os primeiros capítulos dos título II e III, onde há disposições gerais e diretrizes, mas nada que se relacione a regras objetivas, obrigações ou prazos relativos ao atendimento a consumidores.

Foi a assimetria regulatória que nos últimos anos permitiu a multiplicação de ISPs de menor porte – principalmente em regiões que não despertavam o interesse comercial de seus mais notórios críticos – e o consequente salto no alcance da Internet. Ocorre que clientes dos PPPs, a partir de setembro, quando a Resolução 765 entrará em vigor revogando sua antecessora, não terão mais um regulamento que lhes garanta, dentre outros, direito a receber histórico de demandas, algo fundamental para a contestação de abusos. E, no caso dos que contratam serviços de ISPs que têm até 5 mil acessos, faltarão ainda garantias quanto a prazos para a efetuação de eventuais reparos ou mesmo parâmetros quanto à operação de canais de atendimento.

Particularmente essas empresas terão de observar até onde lhes convêm limitar sua atuação à norma, por mais que estejam seduzidas pelas possibilidades de redução de custos por ela criadas. Se quiserem manter seus clientes e conquistar outros, terão de ir muito além das novas exigências.

Parte significativa dos usuários que passou a acessar a Internet nos últimos anos o fez no período em que esses ISPs registravam seu maior crescimento. Desta forma, parcela significativa dessas pessoas, que se caracterizam pela falta de habilidades digitais, deve estar em suas carteiras de clientes. Requerem atenção especial. É o caso dos idosos.

Conforme o módulo Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, pessoas com mais de 60 anos formam o grupo que mais ingressou no ambiente on-line nos últimos anos, passando de 24,7% em 2016 para 62,1% dos que acessavam a Web em 2022. Ainda assim, esse público representa 52,3% dos 185,4 milhões que permaneciam fora da Internet, contingente inferior deste universo apenas ao de pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (78,5%). Às empresas, seria sensato fechar estabelecimentos voltados ao atendimento presencial – possibilidade aberta pela Resolução 765 também às grandes teles e demais PPPs – ou não dispor de um horário regular para interação telefônica com clientes – exclusiva aos que têm até 5 mil acessos?

Disponibilizar aos consumidores apenas a opção de atendimento eletrônico, como a norma possibilita a todos operadores, afastará clientes, tanto os já conquistados quanto os que poderão contratar seus serviços futuramente. A satisfação de ambos, em um cenário de queda contínua de demanda por novas conexões, é essencial para os menores, ainda mais quando o preço dos pacotes perde força como fator que afasta as pessoas da Web. Diz a TIC Domicílios, do Cetic.br, que o número de lares das classes C e DE com acesso à Internet passou de 87% a 91% e de 60% a 67%, respectivamente, entre 2022 e 2023.

A parte dos questionamentos levados pelas teles à Anatel que se refere às assimetrias na disputa pelo mercado evidencia que elas, de fato, percebem as PPPs. Em qualquer cenário, obter crescimento por meio de aquisição ou fusão com empresas já estabelecidas é mais barato e operacionalmente vantajoso do que fazer os investimentos necessários para se levar ofertas a novos mercados, comunicar sua existência aos consumidores que lá estão e tentar convencê-los a contratá-las. No atual, é a única opção viável.

Se o que as teles pretendem com manifestações como a citada aqui é garantir que, em algum momento futuro, disputarão mercado com empresas menores sob as mesmas condições regulatórias é porque esse horizonte está em seus planos.

Ainda que Vivo e Desktop digam que, além de conversações sobre um eventual M&A, não há nada de concreto nesse sentido, a manifestação, por si só, leva grandes operadoras e PPPs a estudarem movimentações semelhantes, o que intensificará a concentração em todos os níveis do segmento, desta vez, de cima para baixo. Os menores, que detêm participação majoritária das conexões, devem entender que, para permanecerem atuando enquanto observam concorrentes ganharem porte e aguardam propostas de compra, a permanência das atuais receitas depende da satisfação dos clientes, algo que não será obtido com o estrito cumprimento do novo RGC.

Fonte: Teletime