Houve, de fato, um crescimento significativo da oferta dos chamados SVAs pelos ISPs nos últimos anos. Como forma de enfrentar uma concorrência crescente, as empresas passaram a comercializar serviços adicionais – como streaming, VoIP, e-mail, armazenamento em nuvem etc. –, a fim de agregar valor à sua oferta principal, o provimento de Internet, este, para muitos, um SCM. Ocorre que, por conta da diferença na carga tributária das duas categorias e por haver duas definições – legal e regulatória – contraditórias sobre a qual delas pertence o fornecimento de conexão à Web, provedores têm lançado parcelas significativas de seus faturamentos como resultantes de serviços de valor adicionado, incluindo o sinal de banda larga. A Anatel, que acompanha a situação há tempos, passou a priorizá-la. Criou um grupo de trabalho para discuti-la e passou a adotar a proporção 60% de SCM e 40% de SVA como balizador para fiscalizações.
A Internet está repleta de material que aponta o fornecimento de conexão à Web tanto como SCM quanto como SVA, sendo que muitos consideram o uso da última classificação nestes casos como prática de elisão fiscal. Isso se deve ao conflito de definições trazidas pela Norma 4, publicada pelo Ministério das Comunicações, em 1995, e pela Lei Geral de Telecomunicações, de 1997.
Conforme a última, cabe à Anatel – criada pela própria LGT – ser o agente regulador de serviços de telecomunicações, nela definido como “conjunto de atividades que possibilita a oferta” de “transmissão, emissão ou recepção” “de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza”.
O SCM, regulamentado posteriormente pela Resolução nº 614 de 28/05/2013 da agência, é definido, no artigo 3º do texto, como “serviço fixo de telecomunicações” “que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à Internet, utilizando quaisquer meios”. Conforme seu artigo 7º, “é assegurado aos interessados o uso das redes de suporte do SCM para provimento de SVA”, o que define como “atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”, tal qual consta na LGT.
A Norma 4, de 1995, porém, a partir do modelo de conexões de sua época – discado –, determina que o acesso à Internet se configura quando envolve um “prestador de serviços de telecomunicações” e um “provedor de serviço de conexão à Internet”. Ao mesmo tempo, considera que o Serviço de Conexão à Internet (SCI) é o SVA que possibilita o acesso à Internet a usuários e provedores de serviços de informações.
A revisão da Norma 4 é discutida desde 2000. Em julho do ano passado, o Conselho Diretor da Anatel, contrariando orientação de sua área técnica, descartou sua revogação, provavelmente por conta da audiência pública que trata sobre simplificação regulatória e fiscal, que, em curso, seguirá até agosto.
O conflito de interpretações possíveis resultantes de lei e norma gera um vácuo regulatório, já que a LGT estabelece que cabe à Anatel regular os serviços de telecomunicações, caso dos SCMs, mas não dos SVAs. Tanto é assim que no sistema da agência, utilizado pelos provedores para o envio das coletas mensal, semestral e anual, bem como no Sistema FUST – gerido pela agência – não há qualquer tipo de demanda ou menção relacionada à última classe de serviços.
Enquanto isso, provedores continuam a se valer da ambiguidade regulatória e de artificialidades contábeis para, lançando seus serviços majoritariamente como SVAs, reduzirem a incidência de tributos sobre suas receitas. Expõem-se, assim, a questionamentos futuros.
A prática possibilita o não recolhimento do ICMS – que tem alíquotas de até 20% –, PIS e Cofins e das contribuições relativas a FUST e FUNTTEL, todas incidentes sobre receitas de telecomunicações. Já o recolhimento do ISS sobre SVAs está condicionado ao enquadramento do serviço – que deve ser descrito em contrato e instrumento de tributação – em alguma das atividades relacionadas na Lei Complementar 116/2003, que dispõe sobre o tributo. No caso do provimento de Internet, que não se assemelha a nenhuma das atividades ali elencadas, não há incidência. Haverá para o streaming se caracteriza como disponibilização de vídeo, o item 1.09 do anexo da lei.
É justo que toda empresa busque o melhor resultado econômico possível. Embora o enquadramento do acesso à Internet como SVA tenha se tornado prática comum e até seja apontado por muitos como forma legítima de aumentar os lucros, ele não pertence à categoria. Esta, como diz sua nomenclatura, refere-se a serviços que adicionam valor a algo, não podendo, portanto, ser a oferta principal de empresas de telecomunicações. Há decisões judiciais favoráveis à prática, mas, em geral, ela é considerada elisão fiscal e artificialidade tributária, particularmente pela Anatel.
Quando cientes disso, empresas que se valem do artifício costumam, dentre outros, atribuir aos valores finais de seus pacotes de dados uma série de SVAs, que compensarão o abatimento da cobrança pelos seus planos de acesso. Embora informações sobre essa categoria de serviços não lhes sejam remetidas pelos ISPs, a agência pode cruzar dados com as secretarias da Fazenda ou mesmo constatar anormalidades ao observar receitas obtidas com a comercialização de SCM incompativelmente baixas quando comparadas ao número de assinantes e tráfego de dados. Por isso, passa a valer-se do percentual de 60% para nortear sua fiscalização, que é bastante rigorosa.
Nesses atos, a Anatel tem por hábito exigir balanços das empresas, declarações feitas aos fiscos estaduais, notas e contratos de clientes e períodos específicos, dentre outros que, não raramente, acabam por revelar irregularidades que vão além das suspeitas inicialmente investigadas.
Se há ISPs que obtêm vantagens a partir desse vácuo regulatório, outros padecem do mesmo mal. Por exemplo, o streaming de vídeo que, embora disponha de todas as características para ser classificado como um SVA, ocasionalmente gera questionamentos por parte de secretarias da Fazenda que, com base na Norma 4, o consideram um SeAC, sobre o qual incidem os mesmos tributos e contribuições relativos ao SCM. Se a devida caracterização do serviço não constar em notas e contratos, o provedor ficará exposto a multas e cobranças retroativas , além de ficar suscetível a fiscalizações por parte de outros órgãos, como a Secretaria da Fazenda.
A falta de objetividade da regulamentação é prejudicial a todo o setor. Se gera incertezas sobre até onde vão a carga tributária e as atribuições do poder público, para os provedores faz com que ações voltadas à redução de custos, quando mal estruturadas ou resultantes de orientações incorretas, impliquem futuramente em autuações, multas e outras penalidades. Iniciativas nesse sentido, além de bem fundamentadas legalmente, só devem ocorrer se forem acompanhadas pela real entrega de valor adicional ao cliente.
Fonte: Pontoisp